terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O gato branco - final






"como se não bastasse encravei-o num e depois noutro pé, deliciei-me com o brilho da dor para que assim não corra mais para os braços do meu amado."




Banhei o corpo dela com o vinho pestilento que brota do submundo e com meu punhal, comecei a riscá-la nas pernas, afundando lentamente o punhal sobre as coxas e sentindo o vermelho do sangue brotar, escorrer vagarosamente ao chão, ela, nesse suplício gritava pela morte incessantemente, mas ainda não havia terminado.


Algo nesse momento chamara minha atenção, percebi que não estávamos a sós, e ao olhar para o chão notei que havia um gato persa branco fartando-se daquele sangue maldito como se fosse mel dos deuses, abaixei-me e olhei para seus olhos amarelos faiscantes com a luz lunar, trincado como uma fenda de escuridão e desespero dos perdidos e condenados, que tão logo percebi que viera dos domínios soturnos de Hécate, e vinha com um pingente, um colar de prata com uma esmeralda quadrada e radiante, percebi então do que se tratava. Hécate ao notar os meus intentos não poderia perder os suspiros de uma vida em perigo de morte para suas magias, e aquele colar guardaria cada suspiro, cada lágrima e cada gota de sangue que corresse do rosto de Sêmele.


Restava ainda o rosto. Ao olhá-la ternamente como uma senhora olha um cordeiro no abate, ela horrorizou-se, chamou-me de louca, doente, cruel – tão doce essa palavra para mim -, além de muitos outros adjetivos que não pude perceber pela explosão de soluços desesperados e penetrantes. Subi em cima dela, de forma que meu rosto ficasse frente a frente com o dela, eu ainda via um brilho, em meio à escuridão, um brilho que faria de tudo para apagar o mais dolorosamente possível, ainda fixando-a eis que noto que o gato pula entre nós, e passeia languidamente, como num túnel, se sujando com sangue derramado. Ao chegar entre nossos rostos começar a lamber as lágrimas dela, e já satisfeito começa a morder a pele macia, arrastando as presas como uma navalha, fazendo com que fios de sangues banhassem totalmente e, eu, com minhas unhas, arrancava-lhe pedaços do pescoço e sentia a frenética pulsação da morte chegando, que a fazia sacudir a face de forma que as presas, tanto as minhas quanto as do gato, afundassem mais ainda na pele. Alucinada ela perdia momentaneamente a respiração, a boca se enchia de pêlos, do nariz só restava uma parte, mas olhos, esses ainda tinham um brilho.


Então parei, expulsei o gato antes que ele terminasse o meu trabalho, afinal era eu quem tinha quem destruí-la, eu, somente eu, aquela que deveria matá-la. E fiz, foi incrível vê-la toda banhada de sangue, arrancando suspiros entrecortados do fundo da alma, esperando a morte, que veio quando eu desenterrei o punhal da sua perna e cravei-lhe no pescoço, beijando-a e sentindo um jato de sangue lavar minha boa em meio aos pêlos e as lágrimas.


Por fim, olhei-a, e confesso-vos, estava divina, uma verdadeira obra prima que guardaria por um tempo no quarto, frente a Zeus, mas a natureza não é estática, e então resolvi pendurá-la de ponta cabeça no teto, para que o sangue escorresse melhor e deixá-la a sorte do primeiro vagabundo que encontrasse aquele corpo.


O meu trabalho estava feito, mas a alma da desgraçada não desceria ao inferno enquanto não vomitasse essa estória para você, meu querido Argos, que sendo agora morto, está encarregado de guiá-la, agora assim faça, pois tenho ainda uns corvos pra matar essa noite.



1 comentários:

Vanessa/Miss Pain disse...

Profundamente sórdida e perturbadora. Pode ser uma doida de pedra, mas eu adoro essa moça. XDD Como não tenho palavras pra esse relato (Oo"), aproveito o espaço para te dar os parabéns pelo blog, Maicom, e te assegurar que uma leitora fiel você já conquistou. Sucesso!!

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